quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

BOTICÃO DE OURO: UM DRAMA NA RAIA - 1981

Matéria da revista “Veja”, de 25 de Novembro de 1981

Acidente do campeão comove o mundo do turfe

A menos de 100 metros do disco de chegada do Grande Prêmio Derby Paulista, disputado dia 15, o favorito “Boticão de Ouro” perdeu a liderança e deu uma guinada para a direita. O jóquei Edson Ferreira tentou corrigir o curso, puxando a rédea com firmeza, e aumentar a velocidade, batendo forte com o chicote. O cavalo chegou em penúltimo lugar e parou de correr. Nas sociais do Jockey Club de São Paulo, a gritaria habitual das chegadas foi sufocada por um silêncio de espanto quando todos perceberam uma fratura exposta na perna direita de Boticão de Ouro.
O jóquei desmontou e, ao ver a pata do animal sustentada apenas pelo couro, chorou. “Foi a maior tragédia da minha vida”, diria depois. O despachante carioca Délio Santos, proprietário de Boticão de Ouro, e o veterinário Alceu Athaíde, especialista em cavalos, correram das arquibancadas para a raia e decidiram que, ao contrário da praxe, o animal não seria sacrificado.
Levado para a sala de cirurgia do Jockey, as radiografias constataram fratura dupla e rompimento de todos os ligamentos das articulações da perna direita. Em três horas de cirurgia, os ossos foram unidos por parafusos de aço inoxidável e todos os ligamentos, reconstituídos. “O maior risco que o animal corre agora “, diz Athaíde, “é o de uma infecção, pois os ossos fraturados estiveram em contato com a terra”. Submetidoa rigoroso tratamento à base de antibióticos e analgésicos, Boticão de Ouro reagiu bem nos quatro dias seguintes ao acidente: na quinta-feira passada. Sua temperatura – de 38,5 graus – estava no limita da normalidade. Uma bota de gesso com tala metálica permite que ele se movimente na cocheira especial onde ficará três meses. Outro problema é que, com a perna engessada, o cavalo torna-se irritadiço: morde o gesso e nunca fica parado.
O futuro de Boticão de Ouro está decidido: será reprodutor. Até poucos segundos antes de o derby terminar, seu destino apontava para rumos bem diferentes. Havia duas propostas de compra feitas por um criador americano: se vencesse, valeria 90 milhões de cruzeiros; perdendo, a cotação baixaria para 70 milhões. Antes dessa corrida, Boticão de Ouro disputara nove páreos e formara, com 3 anos de vida, um cartel formidável: oito vitórias e um segundo lugar. Seu proprietário, que o comprou por 600.000 cruzeiros em 1978, lastimava-se na semana passada: “Comprei um bilhete premiado e acabei perdendo o prêmio”.
Ao poupar Boticão de Ouro e transformá-lo em reprodutor, Santos se transformará em criador. Seu cavalo tem nobre ascendência. O pai, o craque francês “Locris”, foi criado no haras do príncipe Ali Khan, e sua mãe, a inglesa “La Malma”, teve oito vitórias em sua carreira. Ao contrário do que pensam os leigos, o sacrifício de cavalos que quebram a perna não é inevitável – o animal só é morto se suas possibilidades de sobrevivência são remotas. A égua “Darura”, por exemplo, quebrou a perna na mesma raia onde Boticão de Ouro se acidentou e já voltou a correr. Depois do retorno, venceu duas provas. Menos sorte teve a égua “Doublagem”, que corria entra as primeiras, no quarto páreo da mesma tarde do dia 15. Tropeçou na raia, derrubou o jóquei, fraturou a coluna e foi imediatamente sacrificada.